Do Império à República
Em 1972,
Sérgio Buarque de Holanda publicou seu último livro em vida, o sétimo volume da
coleção por ele organizada, História geral da civilização brasileira. Diferente
dos outros volumes, este foi escrito inteiramente por um autor, sem
contribuição dos artigos de pesquisadores especializados, como havia sido feito
nos outros. Do Império à República é inteiro de autoria de Sérgio Buarque de
Holanda. É curioso notar a maneira como organizou a coleção: são três tomos, um
para cada período de nossa história. O primeiro trata da descoberta e
colonização, em dois volumes, apenas. O segundo tomo, de cinco volumes, é
destinado ao Império, cuidando inclusive da transição à República. O terceiro
tomo, sob organização de Boris Fausto, por conta do falecimento do professor
Sérgio, composto por quatro volumes, trata de nosso período republicano.
Notemos que o período de maior duração, a época colonial, tem apenas dois
volumes, o que não é por acaso. Muitos dos pesquisadores que trabalham com a
obra de Sérgio Buarque de Holanda pensam que o historiador, quando convidado a
organizar a coleção, teria suprimido o período colonial, pois ainda não existia
Brasil – era a América portuguesa –, e começava a partir de 1822. Mas,
pressionado, teve de ceder a pelo menos dois volumes coloniais. Do Império à
República está dividido em cinco partes, que tratam desde o período da Guerra
do Paraguai até a proclamação da República, feita pelo Exército em 1889.
Aparecem questões políticas, militares, econômicas e sociais na transição de
sistema de governo. Na primeira parte o foco está no começo da Guerra contra o
Paraguai, na década de 1860.
Na segunda parte Sérgio Buarque se foca
mais no poder imperial, procurando entender como ele agia quem o apoiava, quem
o criticava. Foi atrás de fontes diversas, como panfletos que circularam entre
as décadas de 1860-70 no Rio de Janeiro e criticavam o poder pessoal do
Imperador D. Pedro II, que chegou a ser comparado com Jorge III da Inglaterra.
O autor ainda coloca as contradições do sistema, que se pretendia parlamentar,
mas com a decisão última da Coroa. Além disso, D. Pedro II, com o poder
moderador, poderia dissolver a câmara temporária quando quisesse, desde que
houvesse uma desculpa para isso (tal é a interpretação de Sérgio), o que
ameaçava tanto os conservadores quanto os liberais que estivessem no governo.
Ainda nesta segunda parte, trata do falseamento das eleições, tema até hoje
muito debatido, que ocorria sempre que o partido do governo fazia a maioria na
câmara, para governar tranquilamente.
Na terceira parte o foco são as reformas, desejadas por D. Pedro II, como a do Ventre Livre e a do voto direto. Sérgio Buarque nos coloca a par de todas as tramas que aconteceram nesse momento, sempre no período da década de 1860 até o final da de 1880, para que as reformas fossem feitas, conforme o desejo do Imperador. Os documentos utilizados pelo historiador são a correspondência trocada entre os ministros e D. Pedro II, jornais do Rio de Janeiro, atas da câmara entre muitos outros. Destaca-se aqui o Ministério comandado por Rio Branco, o mais longo e o que mais fez reformas, inclusive a polêmica Lei do Ventre Livre, em 1871. Faltou fazer apenas a reforma do voto direto, a famosa Lei Saraiva.Esta lei é o palco da quarta parte do livro. Talvez seja a discussão mais próxima de nós, pois trata de temas como o sufrágio universal, o voto censitário, o voto dos analfabetos, assuntos que ainda em 1972, quando foi publicado Do Império à República, não haviam sido resolvidos e estavam em discussão. O voto dos analfabetos, aliás, só foi permitido após a Ditadura Militar. Não é, portanto, por acaso que Sérgio Buarque de Holanda seja mais crítico nessa parte, como podemos constatar neste trecho:
“Oito anos depois [de ser aprovada a Lei Saraiva, em 1881], já à véspera de proclamar-se a República, um dos capítulos de uma obra de propaganda do Brasil, expressamente preparada para a Exposição Internacional de Paris, trará este fecho significativo: ‘Até a revisão de 1887, o número dos eleitores no Brasil somava um total aproximado de 200.000, isto é, 1,5% da população. É um dos menores eleitorados que se conhecem.’ E a situação não mudará apreciavelmente nos 40 anos que se seguirem à queda do regime.” (p.284). Além dessa crítica, o nome dado a esta parte do livro é “’da constituinte constituída’ à Lei Saraiva”, ou seja, a Lei foi aprovada por uma constituinte cujo resultado já estava pronto. A expressão, “constituinte constituída”, foi cunhada naquele momento de discussão e o historiador a tomou emprestada para fazer a sua crítica ao que aconteceu e ao que acontecia ainda no momento em que escrevia.
A quinta parte, “a caminho da República”, como o próprio nome diz, trata das questões da transição do sistema de governo. Talvez o que mais chame a atenção seja o papel desempenhado pelo positivismo, analisado por Sérgio Buarque de Holanda de maneira clara, explicando como o positivismo entrou no Exército – o que, a princípio, poderia parecer uma contradição, já que esta é uma doutrina pacifista – através dos argumentos que mais tinham a ver com sua causa e, ignorando, ou deixando de lado, o que pregava efetivamente a Igreja Positivista dos seguidores de Comte. Para melhor ilustrar a questão cito o próprio autor:
Na terceira parte o foco são as reformas, desejadas por D. Pedro II, como a do Ventre Livre e a do voto direto. Sérgio Buarque nos coloca a par de todas as tramas que aconteceram nesse momento, sempre no período da década de 1860 até o final da de 1880, para que as reformas fossem feitas, conforme o desejo do Imperador. Os documentos utilizados pelo historiador são a correspondência trocada entre os ministros e D. Pedro II, jornais do Rio de Janeiro, atas da câmara entre muitos outros. Destaca-se aqui o Ministério comandado por Rio Branco, o mais longo e o que mais fez reformas, inclusive a polêmica Lei do Ventre Livre, em 1871. Faltou fazer apenas a reforma do voto direto, a famosa Lei Saraiva.Esta lei é o palco da quarta parte do livro. Talvez seja a discussão mais próxima de nós, pois trata de temas como o sufrágio universal, o voto censitário, o voto dos analfabetos, assuntos que ainda em 1972, quando foi publicado Do Império à República, não haviam sido resolvidos e estavam em discussão. O voto dos analfabetos, aliás, só foi permitido após a Ditadura Militar. Não é, portanto, por acaso que Sérgio Buarque de Holanda seja mais crítico nessa parte, como podemos constatar neste trecho:
“Oito anos depois [de ser aprovada a Lei Saraiva, em 1881], já à véspera de proclamar-se a República, um dos capítulos de uma obra de propaganda do Brasil, expressamente preparada para a Exposição Internacional de Paris, trará este fecho significativo: ‘Até a revisão de 1887, o número dos eleitores no Brasil somava um total aproximado de 200.000, isto é, 1,5% da população. É um dos menores eleitorados que se conhecem.’ E a situação não mudará apreciavelmente nos 40 anos que se seguirem à queda do regime.” (p.284). Além dessa crítica, o nome dado a esta parte do livro é “’da constituinte constituída’ à Lei Saraiva”, ou seja, a Lei foi aprovada por uma constituinte cujo resultado já estava pronto. A expressão, “constituinte constituída”, foi cunhada naquele momento de discussão e o historiador a tomou emprestada para fazer a sua crítica ao que aconteceu e ao que acontecia ainda no momento em que escrevia.
A quinta parte, “a caminho da República”, como o próprio nome diz, trata das questões da transição do sistema de governo. Talvez o que mais chame a atenção seja o papel desempenhado pelo positivismo, analisado por Sérgio Buarque de Holanda de maneira clara, explicando como o positivismo entrou no Exército – o que, a princípio, poderia parecer uma contradição, já que esta é uma doutrina pacifista – através dos argumentos que mais tinham a ver com sua causa e, ignorando, ou deixando de lado, o que pregava efetivamente a Igreja Positivista dos seguidores de Comte. Para melhor ilustrar a questão cito o próprio autor:
“Uma
vez que a adesão à doutrina como um todo, segundo as exigências do Apostolado,
só leva a resultados teóricos, tornava-se invencível a tentação de aceitar
aquelas partes que pareciam encontrar mais fácil aplicação ao país (...). Para
chegar à ação regeneradora ou redentora de um mundo corrompido até às vísceras,
era inevitável o recurso à violência. Invertia-se, por essa forma, o processo
imaginado por Augusto Comte (...). Nessas condições, o positivismo, no Brasil,
ou o que fosse possível utilizar do positivismo, vai servir principalmente para
despertar forças eruptivas, ganhando adesão nas classes onde lavra maior
descontentamento em atos” (pp.350-351). A ideia que fica evidente é de que a República
foi um golpe do Exército, que de fato a proclamou a 15 de novembro de 1889. Os
políticos republicanos, e o Partido Republicano, não eram de todo amigáveis ao
positivismo, mas acabaram aliando-se ao Exército a fim de lutar pela causa
maior, o fim da Monarquia. Interessante notar também que Sérgio Buarque de
Holanda não perde de vista os acontecimentos, voltando a falar da Guerra do
Paraguai e das querelas posteriores com a Argentina e com o Chile para explicar
de onde veio o ímpeto “revolucionário” dos militares. Não bastasse isso, o
historiador ainda nos explica o motivo de ser o Exército, e não a Marinha, a
parte republicana dos militares. A questão passa um pouco pela hierarquização
social. O reduto marinheiro vinha das famílias ricas, ligadas à política e, por
isso, na concepção de Sérgio Buarque de Holanda, já favorecidas. Os que
entravam para o Exército vinham de uma camada social mais pobre e, por isso,
não tinham ligações com a política, logo eram desfavorecidos. Foi, grosso modo,
para buscarem seu lugar, de classe militar, que derrubaram a Monarquia.
Este breve comentário acerca do fabuloso livro de Sérgio Buarque de Holanda não teve como objetivo resumir todo o conteúdo da obra, mas destacar apenas alguns pontos marcantes da leitura feita. Além disso, para tratar da obra de maneira completa seria necessário fazer um debate historiográfico, pois muitas questões levantadas em Do Império à República são muito questionadas e debatidas hoje – o que torna o livro ainda mais rico.
Este breve comentário acerca do fabuloso livro de Sérgio Buarque de Holanda não teve como objetivo resumir todo o conteúdo da obra, mas destacar apenas alguns pontos marcantes da leitura feita. Além disso, para tratar da obra de maneira completa seria necessário fazer um debate historiográfico, pois muitas questões levantadas em Do Império à República são muito questionadas e debatidas hoje – o que torna o livro ainda mais rico.
REFERENCIAS História Geral da Civilização Brasileira - Brasil
Monárquico - Tomo II Vol 7 -do Império À República Autor: Holanda, Sérgio
Buarque de Editora: Difel
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